Eu sou a Edineuza,
uma gata de rua, com pelos distribuídos em manchas brancas, amarelas e pretas. Fui
abandonada quando ainda era pequena. Nunca soube como eram os meus donos, mas
isso não tinha importância para mim.
Na cidade
onde eu fui abandonada havia casas muito próximas umas das outras, becos e ruas
estreitas entre os prédios. A construção de casas térreas foi abandonada e a
maioria dos imóveis eram prédios, sendo que muitos deles estavam desgastados
por serem muito antigos.
Os
poderosos da cidade moravam num prédio histórico, eram de famílias
tradicionais, cuja cultura e costumes passavam de geração para geração.
Numa colina
havia uma mansão, cujos donos pareciam não serem normais, pois eram muito
estranhos e evitavam contatos com os outros moradores. O jardim da mansão
era o único lugar onde havia um belo gramado e alguns arbustos floridos. As
paredes eram brancas e os muros altos. O patriarca da mansão era um homem alto,
que usava um terno preto, camisa branca e gravata preta. O seu comportamento
era estranho, vivia preocupado como se estivesse escondendo algum
segredo.
A matriarca
e seus três filhos tinham cabelos negros, usavam roupas escuras e preservavam
os costumes de seus antepassados. Pareciam ser ingênuos e submissos, pois
cumpriam todas as ordens do patriarca.
No pátio da
mansão, eu sempre via um cachorro enorme, com andar cambaleante e esquisito.
Não parecia ser um animal de estimação. Quando não se sentia observado, o
cachorro gostava de agir como um ser humano. Isto me intrigava muito e, ao
mesmo tempo, eu sentia medo de adentrar o pátio da mansão. Por isso, eu
observava tudo de longe.
Eu era uma gata
desconhecida na cidade e minha vida era muito solitária. Ninguém notava a minha
presença. Eu era simplesmente ignorada por todos. A cidade, para mim, era
rodeada de segredos. Havia muita coisa para eu explorar naquele lugar. Há
dias, eu não comia nada, estava fraca e desnutrida. Então, decidi ir procurar
comida nas lixeiras dos becos, mas quando eu cheguei a uma lixeira amarela, vi
que ela estava toda arranhada e com uma substância vermelha. Fiquei apavorada,
mas decidi pensar que aquilo era um pouco de ketchup ou geleia de morango. Mas,
por precaução, resolvi não experimentar aquilo. Logo depois, percebi que havia
uma trilha daquela substância estranha que se estendia até a rua principal, que
era usada para sair e entrar na cidade. A trilha continha pegadas muito
esquisitas. Continuei observando e percebi que aquilo não poderia ser geleia. Caminhei
mais um pouco, então vi sangue nas paredes dos prédios e latas de lixo viradas
e quebradas. Olhei para trás e vi um homem encapuzado, que estava jogando
alguma coisa com a mesma substância vermelha, numa lata de lixo. Após isso, ele
chamou alguma coisa que parecia ser um cachorro. Naquele momento, apurei
o olhar e reconheci o cachorro que vivia no pátio da mansão. Decidi segui-los e
eles entraram no pátio da mansão e continuaram conversando perto do portão. O
homem encapuzado dizia que eles precisavam encontrar a oferenda para o pacto
estar completo.
Decidi
correr para me esconder na garagem da mansão, pois lá, além de um carro, havia
potes com restos de comida do jantar. Eu comecei a saborear a comida e depois
me escondi embaixo do carro, pois não daria tempo de eu escapar. O homem
encapuzado chegou com um saco e retirou o que tinha dentro. Então eu percebi
que, na verdade, aquele homem era o patriarca dos moradores da mansão. O
saco continha membros humanos. De onde ele os tinha trazido? Então, o
homem disse:
— Eu não
acredito! Eu matei todas aquelas pessoas, mas nenhuma delas era dona daquela
gata! Parece que ela, mesmo assim, conseguiu fugir. Aquela gata não é normal e
ela pode ser mais poderosa do que se imagina! Se não a encontrarmos o pacto não
será cumprido.
Depois
disso, o homem fechou o portão da garagem e eu fiquei quieta, sem me mexer.
Fechei meus olhos para evitar que eles brilhassem no escuro. Fiquei escondida
debaixo do carro até às três horas da manhã. Quando o cachorro dormiu, eu
aproveitei a oportunidade e fugi pela janela da garagem. Mas quando eu pulei o
muro, deparei-me com o homem encapuzado à minha procura. Então, corri o mais
rápido que eu pude, enquanto o homem gritava para o cachorro:
— É ela! Vá
pegá-la e o pacto estará completo!
O portão se
abriu e eu pude ver o cachorro revelando sua verdadeira forma, que era macabra,
com longos braços e pernas, olhos esbugalhados e uma boca enorme. Seus pelos
eram negros e arrepiados. Corria de uma forma assustadora e gritava de uma
forma perturbadora. O estranho ser começou a me perseguir pelos corredores
estreitos, que pareciam labirintos confusos. Corri, desviei-me, fui para um
lado, fui para outro, até que me deparei com um beco. Eu estava cercada e a
criatura se aproximava rapidamente. Quando a criatura estava quase me
alcançando, escalei uma parede e fui para o telhado de um prédio. Porém, para
meu azar, a criatura também sabia escalar. Fui perseguida no telhado de vários
prédios até que eu cheguei num prédio abandonado. Eu fui subindo e consegui
passar para uma sacada de madeira, que estava muito frágil.
Do outro lado,
havia uma casa bem alta. Então, andei com calma para não quebrar o piso. Eu
estava quase conseguindo transpor a sacada, mas a criatura estava prestes a
pular e, quando saltou com suas garras quase me alcançando, dei um salto para a
varanda da casa. A criatura quebrou o assoalho de madeira e caiu de uma altura
muito grande, dando um grito tenebroso. Essa criatura não era deste mundo e não
sei se ela sobreviveu à queda, é um verdadeiro mistério.
Quando eu
pensei que tudo havia acabado, duas mãos me puxaram rapidamente para dentro da
casa pela porta da varanda. Virei meu pescoço e vi uma simpática senhora e uma
placa com a palavra VIDENTE. Então, ela disse que me conhecia e que
eu era especial. Ela contou-me que eu era uma deusa que reencarnou no corpo de
uma gata, a qual tinha a missão de retomar os poderes dela na Terra. Disse
também que eu fui descoberta por um cara mau, que invocava uma entidade maligna
vinda do inferno. Essa entidade era conhecida como Skinwalker,
sendo invocada facilmente, bastando pronunciar três vezes o seu nome.
─ Essa
criatura pode se disfarçar de pessoa ou animal e tem o objetivo de matá-la ─ disse
a VIDENTE ─ esse homem quer fazer um pacto em troca da realização
de um desejo dele. Uma das oferendas para o ritual era o corpo da mulher mais
poderosa da cidade e a outra era a deusa que reencarnou em forma de gata aqui na
Terra.
─ Por que a
deusa reencarnou aqui na Terra? ─ perguntei, e a simpática vidente começou a explicar:
— Eu, a VIDENTE,
era uma bela moça e morava aqui há pouco tempo. Ocorreu o desaparecimento da poderosa
mulher desta cidade, Dona Izadir, que fora considerada morta, pois
seu corpo nunca foi encontrado. Uma nova família tinha se mudado para cá, pois faria
parte do grupo dos poderosos. Seu patriarca era um sujeito estranho e eu sentia
que uma energia ruim emanava dele. Em compensação a matriarca era gente boa e
eu pedi para ela me contratar para eu ser a faxineira da mansão. Fui contratada
e comecei a trabalhar à noite. Então, vi o patriarca entrando numa passagem
secreta que havia na mansão. A esposa dele passou por mim e perguntou pelo seu
marido, mas eu não lhe disse que o vira entrar na passagem secreta e a mulher foi
para quarto dela. Então, eu decidi esconder-me e ficar vigiando. Alguns minutos
depois, o homem retornou e deixou a porta secreta apenas encostada. Esperei ele
se afastar e fui bisbilhotar o que havia naquele local sombrio. Sobre uma mesa
encontrei esta anotação: “Antigos poderosos da cidade: 1991-2023”.
Num outro papel estava escrito: “Há anos estou tentando ser o poderoso número
01 desta cidade. Quero encontrar aquela gata para, enfim, o pacto ser
concluído. É difícil esconder isto da minha família, mas estou tão perto de
conseguir meu objetivo. Se eu não cumprir o pacto na madrugada do dia 14, coisas
ruins podem acontecer com esta cidade. que se tornará um verdadeiro inferno”. Atrás
dessa folha de papel estava o nome da antiga poderosa da cidade, Dona
Izadir, circulado junto da sua data de morte e da data de amanhã, dia
14, com uma anotação escrita dizendo "RITUAL".
Eu, VIDENTE,
sabia que os rituais ocorriam entre meia-noite e três horas da manhã. Então,
fiquei acordada, esperando o ritual acontecer. À meia-noite, o homem saiu com
seu carro e voltou com o corpo de Dona Izadir e com uma gatinha,
que era você, a deusa que foi ao um mundo desconhecido, com o objetivo de ampliar
os seus poderes. Eu sabia das consequências, mas não poderia deixar ele
concluir o pacto, pois ele poderia acabar com uma deusa importante que gera o
conhecimento do bem e do mal. Sem ela, todos seriam consumidos pelo mal e toda
a Terra estaria condenada. Eu peguei você no colo, Edineuza, e
saí correndo. Escondi-me na minha casa antiga e fiquei por lá. Mas a Terra estava
com o tempo distorcido, pois o inferno tomou parte dela por causa da maldade e
da violência humana. Então eu envelheci rápida e precocemente. Um dia depois de
eu envelhecer, tive um sonho me alertando que eu deveria subir até o ponto mais
alto da cidade e deixar você, gatinha, entregue à sua própria sorte, pois o
tempo estava distorcido e você também iria envelhecer e se tornar uma adulta
que, na hora certa, viria me encontrar. Então, eu construí esta casa no topo
deste morro, para eu me recuperar. Você sobreviveu ao inferno e por isso, um
dia, você poderá usar seus poderes, mas isto é assunto para outra hora.
Então eu, Edineuza,
decidi continuar morando na colina com a simpática VIDENTE, porém
ela me contou que, mais cedo ou mais tarde, o inferno poderá nos alcançar pois,
com tanta maldade no mundo, o destino da Terra será queimar no fogo do inferno.
Aluno: Cassiano
Ribeiro Alves Bardella
8.º ano I –
29/06/23 – Conto reescrito
Disciplina:
Língua Portuguesa – Professora Walterlin
NEJ
Hermínio Milis