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sábado, 27 de fevereiro de 2016

DIAS, Gonçalves. Não me deixes.

Não me deixes!

Debruçada nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava:
"Ai, não me deixes, não!”

"Comigo fica ou leva-me contigo
Dos mares à amplidão;
Límpido ou turvo, te amarei constante;
Mas não me deixes, não!"


E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
"Ai, não me deixes, não!"

E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde:
"Ai, não me deixes, não!"

Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
Que a não deixasse, não.

A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
"Não me deixaste, não!"



Gonçalves Dias (1823-1864)


No poema “Não me deixes”, a flor está personificada com sentimentos típicos de seres humanos. A flor sente-se bela; mira-se no espelho d´água; não quer ficar sozinha; fala; promete amor constante ao regato e implora a sua companhia;  a flor praticamente morre de amor.  
Portanto, neste poema ocorre a figura de linguagem que se chama personificação ou prosopopeia.

2 comentários:

  1. SEMPRE, desde menino, ao ler antigos livros de Felisberto de Carvalho que meu pai guardava, percebi um CONTRASTE interessante entre esse diálogo prosopopéico da FLOR com a FONTE, de Gonçalves Dias, com o outro diálogo das mesmas criaturas, pensado esse outro por Vicente de Carvalho. Em Vicente de Carvalho, a Flor implora para não ser levada pela água, implorando: "-Deixa-me fonte", enquanto nos versos do maranhense Gonçalves, a flor exora a companhia da água, a cada estrofe clamando: "-...não me deixes, não."

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